Mourinho - Lições para sobreviver ao fracasso
COMPORTAMENTO Special sim, special não José Mourinho está no olho do furacão por ter deixado cair a sua equipa para o 15.Q lugar da liga inglesa. Os críticos dizem que deixou de ter o fator special mas a psicologia usa o seu exemplo para explicar como se deve lidar com o sucesso - e o fracasso - para chegar mais longe, no futebol ou na vida. Entretanto, o treinador lançou esta semana o seu livro de memórias pessoais em fotografias. Afinal, é preciso olhar para trás para continuar em frente Texto de Patrícia Cinta BIll Bates lançou nos anos 70 uma maquineta para processar informação de transito que não funcionava. Nos anos 90, Oprah Winfrey perdeu 80 milhões de dólares com o seu filme Beloved. E toda a gente sabe o que aconteceu a Steve Jobs antes de regressar à Apple nos anos 2000. Três exemplos (entre muitos) de enormes fracassos que, no entanto, não ditaram a 'morte do artista'. Antes pelo contrário, a eles sucederam-se histórias de tamanho sucesso que estes 'percalços' parecem ter ficado definitivamente remetidos para segundo plano. Agora todos os olhos estão postos em José Mourinho. Esta temporada, o `Special One' - que na época passada conduziu o Chelsea a 36 vitórias e 14 empates, e que desde 2004 (ano em que entrou para os 'Blues') ganhou très campeonatos (2004/2005, 2005/2006. 2014/2015), três taças da Liga (2004/2005, 2006/2007, e 2014/2015), uma taça de Inglaterra (2006/2007) e uma Supertaça (2005/2006) não conseguiu levar a sua equipa para além de seis derrotas, três vitórias e dois empates em 11 jogos disputados. Resultado: está no 15." lugar da classificação, com menos 14 pontos que o primeiro classificado, o Manchester City. E já se discute se deve ou não abandonar a liderança da equipa. O que a confirmar-se significa o clube pagar uma cláusula de quase 50 milhões de euros. Ana Passos, Investigadora do Departamento de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional no ISCTE, que tem desenvolvido trabalhos na área do trabalho em equipa, nomeadamente sobre a eficácia das equipas e como o papel do líder contribui para essa eficácia, garante: «Não é de um momento para o outro que as pessoas passam a ser péssimas». Mourinho pode ficar descansado. «Em contexto organizacional, mesmo quando pensamos em desempenhos que sejam eficazes, é difícil pensar que tudo é positivo. As coisas são feitas com muitas histórias de sucesso mas também com algumas histórias de fracasso». A investigadora explica que o que faz a grande distinção entre ~ «Em contexto organizacional, mesmo quando pensamos em desempenhos eficazes, é difícil pensar que tudo é positivo» ARIANA HUFFINGTON viu o seu segundo livro ljn Baoon*ig Foarless..: ser rejeitado 88 vezes CONAN O'BRIEN conseguiu o seu sonho de sempre: Ir para o Ths Tonight Show. Mas nem aqueceu a cadeira: Jay Leno voltou a assumir o protagonlsmo pouco depois OFR»! WINFREy viu o seu filme 'Beioved' (1998) tornar-se o fiop do ano. Nunca conseguindo recuperar os 80 milhões de dólares Investidos lançou nos anos 70 o seu Traf-o-Data 8008 para processar dados do trânsito. Tinha um problema: não funcionava comandantes do navio é a forma como conseguem integrar esses insucessos e aprenderem com os erros. «Aquilo que nós sabemos é que existem, por parte dos lideres, algumas diferenças em termos pessoais. E normalmente as pessoas que são mais capazes de recuperar dos fracassos e dos insucessos são aquelas que, de uma forma geral, têm níveis de resiliéncia muito superiores». Ou seja, aquelas que têm uma maior capacidade de lidar e interiorizar aspetos menos positivos e conseguir recuperar face a essa situação. Mas as pessoas não orbitam sozinhas num universo vazio. Principalmente em casos como o de Mourinho e da sua equipa, constantemente sob o holofote mediático. «Não há lideres sem liderados e portanto quando dizemos; 'o Mourinho não está a conseguir fazer aquilo que sempre conseguiu' significa que há um ajustamento que parece estar a ser crítico entre o treinador, a sua equipa e o contexto em que está». Para este 'ajustamento crítico' pode também contribuir o equilíbrio difícil de egos dentro de um grupo. Ao Irish Times, citado pelo Guardian, o treinador português disse: «Sou um tipo solitário neste mundo moderno do futebol. Faço simplesmente o meu trabalho. Não sou político. Não sou relações públicas. Não me interessa o que os outros dizem. Quando estou num bom momento parece que nada acontece: quando estou num mau momento, tenho que pagar por ele. A verdade é que não tenho muitos amigos no mundo do futebol. Trabalho para que os bons resultados apareçam». Ana Passos acrescenta: «Possivelmente numa equipa em que todos são estrelas ou que todos gostam de olhar ao espelho de manhã e dizer 'eu sou uma grande estrela', é difícil saber qual é a quota-parte de responsabilidade neste fracasso, que é um fracasso coletivo». A investigadora realça que numa liderança de sucesso é preciso que os membros «Numa equipa em que todos gostam de olhar ao espelho de manhã e dizer `eu sou uma grande estrela' é difícil saber qual é a quota-parte de responsabilidade neste fracasso, que é um fracasso coletivo» da equipa percebam que o seu valor está no conjunto. Ana Passos destaca que, do ponto de vista do líder, gerir um conjunto de pessoas que individualmente se consideram muito melhores do que aquilo que poderão ser gera instabilidades. E isto é verdade no desporto mas é verdade essencialmente nas organizações. Todas as atividades que tenham um grande reconhecimento externo criam vedetas em que os grandes admiradores acabam por ser os próprios! Portanto, aquilo que seria uma natural aprendizagem dos erros em conjunto, refletir sobre as coisas que correram melhor ou menos bem, pode não acontecer». Ora se equipas e lider perderam pelo caminho essa capacidade para refletir sobre o que corre bem e menos bem, acabam por canalizar todos os insucessos para uma única figura que, neste caso, é o treinador português. «Não é que de um momento para o outro as pessoas passem a ser péssimas. Eu diria que esta capacidade para continuar, estar nos jogos a dar a cara, estar nas conferências de imprensa, estar à frente quando todas as pessoas apontam o dedo não é para todos. E Mourinho parece fazer algo que eu acho muito interessante: acaba por funcionar como uma barreira protetora dos membros da sua equipa. Não deixa passar para eles grandes críticas quer dos outros clubes, quer da comunicação social». TINA FEY partilhou que STEPHEN XlNG viu WARREN BUFFET STEVE .10P foi afastado a sua maior inimiga era a sua obra 'Carne' ser considera que comprar da empresa que fundou depois ela própria: «achava que rejeitada 30 vezes a Bershire Hathaway do seu Usa Computar ter-se não era suficiente boa» foi o seu maior erro porque foi motivado apenas pelo seu ego revelado um fracasso. Passaram-se mais de dez anos até regressar à Apple e tomar-se no seu emblemático CE0 Fazer diferente para continuar a fazer bem As coisas boas alimentam-nos o ego e as coisas más destroem-nos a imagem', atira Ana Passos em jeito de provérbio da psicologia, explicando que normalmente tende-se a atribuir ao esforço interno tudo o que são sucessos, e a fatores externos as coisas que correm menos bem. «Considero que as pessoas que conseguem recuperar melhor dos fracassos são efetivamente aquelas que conseguem fazer uma análise mais detalhada, percebendo claramente as razões pelas quais a situação ocorreu». Essa leitura correta dos fatores pode no futuro ajudar a reduzir alguns aspetos menos positivos. Quanto ao sucesso, a base está no trabalho árduo. «Fazer bem dá muito trabalho e as pessoas que têm sucesso nào são as pessoas que continuam a fazer da forma como sempre fizeram; as pessoas que têm sucesso e as equipas que têm sucesso são aquelas que conseguem perceber que têm que mudar para conseguirem continuar a fazer bem. Não é fazer igual. É continuar a fazer bem», sublinha. Ora isto implica que tenham a capacidade para reconhecer todas as alterações que se vão estabelecendo, uma questão particularmente visível no caso do futebol onde as equipas dirigentes, os jogadores e as dinâmicas mudam constantemente. «Ora a pessoa que está à frente tem que perceber claramente o que num determinado momento é preciso mu- dar para continuar bem. E eu penso, e posso estar enganada, que aquilo que faz os grandes líderes, seja o Mourinho ou outros. é essa capacidade de mesmo em situações de maior fragilidade para a comum das pessoas consegui perceber que lições se podem tirar de um determinado momento e construir a partir daí». Aparentemente, o Special One ainda não conseguiu fazer essa tal leitura da situação que lhe permita começar a ganhar jogos (o próximo é no sábado, com o Stoke City com quem Mourinho empatou por 1- 'As coisas boas alimentam-nos o ego e as coisas más destroem-nos a imagem', atira Ana Passos em jeito de provérbio da psicologia -1 a 27 de outubro, a contar para a Taça). Mas há uma unanimidade que ninguém desafia: «com o Mourinho estamos na presença de uma liderança muito carismática. Ele tem um conjunto de características que o distingue completamente de todos os outros, quer as pessoas gostem, quer não gostem. Às vezes quando falamos deste tipo de líder, estamos a falar de pessoas que não têm problemas em dizer o que pensam, porque efetivamente pensam. Agora, se o Mourinho seria um excelente administrador de uma empresa, não acredito, apesar de ele partilhar determinadas características que podem ser importantes para um administrador, para um político, e por aí fora: ele acredita em si e no que é capaz e isto é fundamental». Além disso tem um currículo que é um atestado de competências: foi o primeiro treinador a conquistar a Liga dos Campeões com duas equipas diferentes, quem mais pontos conquistou na Liga inglesa (95), o treinador com mais jogos sem perder na Premier League (77), o técnico mais jovem a atingir as 100 partidas na Liga inglesa e ainda quem esteve nove épocas consecutivas sem perder nos jogos em casa. «E há uma coisa que ele consegue sempre: ter todas as atenções sobre si. Onde ele está acaba por ter muitas pessoas à volta mas a verdade é que na área em que ele está não ser falado é não existir». patricla.dntra@sol.pt O fenómeno Mourinho De Special One e Happy One à coleção de derrotas. Como dar a volta ao fracasso depois de chegar ao topo? MOURINHO LIÇÕES PARA SOBREVIVER AO FRACASSO pág. 36